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Kurt Vonnegut (1922-2007)
Posts / 12/04/2007

A quinta-feira acaba de ficar sombria, apesar do sol no Rio de Janeiro. Kurt Vonnegut morreu ontem. Caramba: ontem. O mesmo dia em que, pela primeira vez e obviamente sem saber de nada, tasquei – plano antigo – uma frase dele aí na epígrafe do Todoprosa. Não, isso não tem a menor importância diante da notícia de que, aos 84 anos, morreu o autor de “Matadouro 5”, mestre do humor sombrio, o mais irrequieto e o menos solene entre os grandes escritores americanos. Minha epígrafe não tem a menor importância, mas, por alguma razão, deixou tudo mais triste aqui pelas bandas da Gávea. Volto ao assunto quando puder. Por enquanto deixo aqui (acesso livre, em inglês) o alentadíssimo obituário do “Los Angeles Times”, que é quase um romance.

Com licença, eu peço a palavra
Posts / 11/04/2007

Vivemos, para o bem e para o mal, um tempo de pulverização, de multiplicação de referências. Não existem parâmetros reconhecidos por um número suficiente de pessoas para que o debate literário role direito, o clima é de um certo vale-tudo estético. Aí, claro, vêm os vírus oportunistas e quem acaba se dando bem é a turma da autopromoção, do marketing. Tudo isso é triste e angustiante, mas, pensando bem, talvez não seja de todo ruim. Porque é evidente que no meio desses escombros há um novo ambiente literário em gestação. … Lemos pouquíssimo. Você entra no ônibus, no metrô, e ninguém está lendo um livro. Nunca. Nem romance Sabrina. Nem faroeste de banca de jornal. Isso é um dado grave, a meu ver. Mas daí a acreditar em visões apocalípticas vai uma grande distância. ? O tempo de amadurecimento da literatura e o tempo do blog são mais do que diferentes, chegam a ser antagônicos. O problema é que, uma vez publicado, qualquer texto passa por uma espécie de cristalização – esta é a minha experiência, pelo menos – que dificulta reescrevê-lo depois. E reescrever é a alma do negócio. Entrevista boa é aquela que nos obriga a formular idéias…

A volta de Nareba, perdão, Naarebah
Sobrescritos / 10/04/2007

Algo estranho está acontecendo com Lúcio Nareba na cadeia. Os últimos e-mails que me chegaram de seu moderno notebook (alugado do carcereiro) com conexão wi-fi (cortesia das autoridades penitenciárias) vinham assinados por “Luuk Naarebah”. Acostumado às ousadias formais do atormentado escritor, a princípio não dei muita importância à grafia esdrúxula. Nareba sempre se orgulhou de ser “tradicionalmente vanguardista”. Gaba-se de ter sido alimentado com sopa de letrinhas concretas na primeira infância. “Claro que eu jogava bola com os outros meninos, mas só porque isso me dava a oportunidade de estudar o violento esporte Breton”, ele me segredou certa vez. Já estava no fim da sua cota diária de dois engradados e meio de cerveja quando disse isso. Até hoje não sei se falava sério. “Minha babá se chamava Marinetti”, prosseguiu. “Minha primeira professorinha foi a Pagu. Perdi a virgindade com a Laurie Anderson. A Isadora Duncan deu pro meu bisavô.” E mais não disse, porque nesse momento a baba fechou um fio-terra entre seu queixo e a mesa do botequim e tudo ficou dadá. Recordando essas coisas, não achei que o “Luuk Naarebah” fosse motivo de alarme. O que me assustou foi descobrir, no pé da sua última mensagem, em…

Parabéns, Rascunho
Posts / 09/04/2007

Exemplo raro de longevidade na imprensa literária independente, o jornal curitibano “Rascunho” está completando sete anos esta semana – o aniversário caiu ontem, domingo de Páscoa. Para comemorar a data, estréia novas seções na edição de abril, entre elas as colunas “Passe de letra”, com crônicas mensais sobre futebol assinadas pelo crítico e ficcionista Flávio Carneiro, e “Ponto final”, que vai na última página, sempre com um escritor convidado e forma livre – este mês, trecho do próximo romance de Luiz Ruffato.

O gato corteja o mico
Posts / 07/04/2007

Um dos mitos preferidos da grande indústria editorial é o do “próximo”. Nos últimos anos, andou na moda procurar o próximo “Harry Potter”, depois o próximo “Código da Vinci”. Agora parece ser a vez do próximo “Marley e eu”, best-seller canino que foi a grande surpresa do ano passado. É curioso observar que as temporadas de caça ao próximo não costumam render nada além de cópias pálidas – pálidas inclusive nas vendas – mas isso não revoga a corrida. Salvo os que seguem fórmulas estabelecidas como as dos livros de espionagem ou de tribunal, os verdadeiros fenômenos comerciais geralmente se afirmam a partir de um núcleo original e imprevisível, não como “próximos” de alguma linhagem. Mas quem se importa? O mito é mais forte. Só ele explica que um leilão pelos direitos de publicação da história de Dewey, um gato vadio adotado como mascote de uma biblioteca no interior do estado americano de Iowa, tenha terminado quando a Grand Central Publishing descarregou na mesa um caminhão com 1,25 milhão de dólares – notícia completa, em inglês,

Eros em alto Grau
Posts / 05/04/2007

Vânia era desenhista de moda e pintora, da minha altura, uma gazela, pernas e coxas alongadas, saboneteiras profundas e seios discretos. Rosto marcante, olhos bonitos. Encontrávamo-nos regularmente. Sempre à tarde, que ela desconfiava que o marido desconfiasse. Usava, invariavelmente, camisas de seda ou algodão em padrões que ela mesma desenhava, lindas, marcantes, ousadas. Tinha uma válvula de sucção no lugar do sexo e soltava sonoras flatulências vaginais pós-coito. Era agradável, sadio, sem dramas, o namoro de tardes inteiras, ela nua, suas esguias longas pernas enroscadas em meu corpo. Nenhuma ansiedade. Pedia-me, enquanto nos amávamos, que inventasse estórias sobre ela mesma estar sendo possuída por mais de um homem, concomitantemente, dois ou três, ocupando todas as suas frestas, o que importava em que nos amássemos sem qualquer sentimento de propriedade. Está certo: o trocadilho do título desta nota é infame. Mas como resistir a ele quando Eros Grau, ministro do Supremo Tribunal Federal, estréia no romance com uma narrativa tão cheia de erotismo quanto a de “Triângulo no ponto” (Nova Fronteira, 144 páginas, R$ 29), que chega às livrarias semana que vem?

Cortázar entre Thelonius Monk e Bill Evans
Posts / 04/04/2007

“O jogo da amarelinha” seria então um produto mais próximo de Thelonius Monk e “62 [Modelo para armar]”, mais próximo de Bill Evans. “O jogo da amarelinha” é um mundo fechado e autônomo, complexo e completo e, ao mesmo tempo, muito aberto, como a música de Monk: dispõe de um tronco central – a primeira forma de leitura – e de numerosos capítulos que se intercalam à vontade e se manifestam como composições solistas com aspecto de improvisações; o centro de gravidade persiste e as harmonias rompem a narrativa tradicional. “62”, por sua vez, é a fronteira e o cavaleiro que se perde no mistério depois de ultrapassá-la. Muito já se falou da influência do jazz sobre a literatura de Julio Cortázar – a começar por ele mesmo. Mas este luxuoso ensaio do escritor madrilenho José Maria Guelbenzu (pdf de acesso livre, em espanhol), publicado na edição de abril da revista “Claves de razón práctica”, consegue desenhar novas e deliciosas harmonias em sua variação sobre o tema. [Via El Boomeran(g)]

Kafka, um escritor realista
Posts / 03/04/2007

Esse anti-sensacionalismo do tom, o não-anúncio do incomum, confere ao incomum, até mesmo ao pavoroso, um bem-estar pequeno-burguês muito característico. Esse produto misto de horror e conforto perdeu, hoje, certamente, a estranheza que, a seus primeiros leitores, dera a impressão de loucura. Todos nós estamos a par dos “aposentos sociais” que os chefes de campos de extermínio mobiliaram com estofados, vitrolas e quebra-luzes, parede-meia com as câmaras de gás. A sala de estar de K., no ginásio de esportes de O castelo, não é em nada mais fantástica do que esses cômodos contíguos às câmaras de gás, os quais, sem dúvida, pareciam normais a seus usuários. Esse cruzamento “louco” (“desloucado”) de ambientes, empreendido por Kafka, é, na verdade, uma descrição da realidade; uma descrição do fato de que, hoje em dia, o “mundo dos deveres” e o “mundo familiar privado” mal têm algo a ver um com o outro, ainda que se instalem sob o mesmo teto ou, pelo menos, se interseccionem como mundo único. Na realidade, o exterminador industrializado e o jovial pai de família são um único e mesmo homem. Mas, uma vez que a total discrepância entre as “esferas da vida” é considerada natural, do ponto de…

Oi. Sou um escritor. Sou legal. Em que posso ajudá-lo?
Posts / 02/04/2007

Sinais dos tempos. No blog do “Guardian”, Stuart Walton escreve (em inglês, acesso livre) sobre uma contradição: nossa imagem preferida do escritor ainda é a do trabalhador solitário, muitas vezes recluso – JD Salinger e Dalton Trevisan são exageros que confirmam a regra. Enquanto isso, no mundo bicudo lá fora, profissionais das letras andam tão ocupados com o papel de pequenas celebridades que desempenham em excursões de lançamento de livros, maratonas de entrevistas e participações em festivais que não lhes sobra muito tempo para escrever. É claro que a tendência se manifesta de forma mais vigorosa em países de mercado leitor maduro, mas o Brasil já apresenta alguns sintomas da síndrome. Enquanto isso, no “New York Times”, a reportagem de Julie Bosman (em inglês, cadastro gratuito) aborda, aí sim, uma novidade que ainda não chegou por aqui: a excursão promocional pré-lançamento do livro, destinada principalmente a fazer com que autores desconhecidos conquistem a simpatia e os favores daqueles profissionais na linha de frente do mercado livreiro – gerentes e vendedores de livrarias. Nesse meio tempo, quem um dia achou que viver de escrever era uma boa pedida porque, entre outras coisas, não levava o menor jeito para showman, vendedor ou…

Começos inesquecíveis: Jorge Amado

Até hoje permanece certa confusão em torno da morte de Quincas Berro Dágua. Dúvidas por explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas. Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos, mantém-se intransigente na versão da tranqüila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato, sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na agonia da noite, quando a Lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da Bahia. Presenciada, no entanto, por testemunhas idôneas, largamente falada nas ladeiras e becos escusos, a frase final repetida de boca em boca representou, na opinião daquela gente, mais que uma simples despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo (como escreveria um jovem autor de nosso tempo). E já que andamos falando por aqui de novela, que a preferência do mercado editorial por romances anda transformando numa espécie de “formato que não ousa dizer seu nome”, eis o começo da pequena obra-prima “A morte e a morte de Quincas Berro Dágua”, novelinha lançada em 1958 por Jorge Amado (Record, 41a edição, 1977) e um de seus textos que se sai melhor na…