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Avellar encontra Bergman aqui em casa
NoMínimo / 30/07/2007

Corte, montagem, simultaneidade, monólogo interior. A literatura teria inventado o cinema sem se dar conta disso? E depois, conscientemente, teria se voltado para o que inventou para se reinventar (escrevendo adaptações literárias de filmes)? Para deslocar seu ponto de vista para a sudação interior dos rostos? Ou o cinema inventou-se a si mesmo? Fez-se a si mesmo, tal como a literatura, a poesia, a música, a pintura? E se assim foi (a invenção continuando a se inventar), as artes no século XX inventaram com o cinema novas formas de percepção do espaço e do tempo? Ou, como propõe Carlos Fuentes, apenas desenvolveram outros instrumentos para prosseguir “la pugna del arte desde el Renacimiento”? A notícia da morte do cineasta sueco Ingmar Bergman (leia mais no blog irmão do Calil, aqui) me pega às voltas com as provocações do crítico cinematográfico José Carlos Avellar – um dos ídolos da minha geração aspirante a uma vaguinha no jornalismo cultural, lá se vai um quarto de século – no recém-lançado “O chão da palavra – cinema e literatura no Brasil” (Rocco, 438 páginas, R$ 48,50). Além de ser leitura recomendada a todos os interessados em literatura, cinema ou ambos, o livro também deve…

Jane Austen e o besteirol periódico
NoMínimo / 27/07/2007

Uma das maiores dificuldades de ir envelhecendo no jornalismo – meninos, eu vi! – é a inevitabilidade de uma descoberta que a princípio nos choca, mas em seguida vira matéria de tédio profundo: de tempos em tempos, a maior parte da imprensa acaba fazendo exatamente o que tinha feito algum tempo atrás. Igual. E não estamos falando apenas de “textos criativos” sobre a chegada do inverno. No jornalismo cultural, um tipo especialmente irritante de besteirol periódico é o do “manuscrito de autor consagrado enviado anonimamente para as editoras sem noção e, ora vejam só, rejeitado”. Machado de Assis passou por isso no Brasil há alguns anos. Semana passada foi a vez de Jane Austen na Inglaterra – leia aqui, em inglês. Como tenho fugido do besteirol periódico – tanto o alheio quanto o meu –, não vou repetir por que acho esse truque jornalístico uma tremenda enganação. Já disse isso aqui.

O problema é ‘o problema’
Sobrescritos / 25/07/2007

Qual é o maior problema da literatura brasileira? ( ) Os escritores não sabem escrever. ( ) Os leitores não sabem ler. ( ) Os críticos não sabem criticar. ( ) Os blogueiros se acham escritores. ( ) Os comentaristas de blog se acham críticos. ( ) Os críticos dos comentaristas de blog se acham. ( ) Os críticos dos comentaristas dos críticos dos comentaristas de blog… hã, onde estávamos mesmo? ( ) Ser brasileira demais. ( ) Não ser suficientemente brasileira. ( ) Não ser literatura. ( ) Literatura brasileira? Onde? ( ) Vai ler um livro e não me enche o saco.

Copa de Literatura Brasileira
NoMínimo / 24/07/2007

Um prêmio que se vende como capaz de escolher regularmente o melhor livro do ano não pode expor ao público nem os gostos dos seus jurados, nem as falhas do seu processo. Mas se a idéia é, como acredito que sempre seja, simplesmente falar de livros, por que não mostrar o processo por inteiro? Por que não dar voz e espaço a cada jurado para explicar sua escolha? E, se escolher o melhor é estatisticamente impossível, por que não tornar o prêmio mais emocionante com um regulamento em que, como nos torneios esportivos, os livros se enfrentam um ao outro até que reste apenas um? Essa é a idéia da Copa de Literatura Brasileira. Dezesseis livros se enfrentam em quinze jogos. Cada jogo é decidido por um jurado, que explica e justifica sua decisão para o público. O campeão talvez seja o melhor romance brasileiro do ano, talvez não. Provavelmente não. O importante é que o campeonato seja divertido e o debate, inteligente. Taí, gostei. Muito antes de ser um dos 16 concorrentes, sou um membro da enorme tribo dos que nunca entenderam por que o Brasil simplesmente não consegue criar prêmios literários – com a possível exceção do Portugal…

Começos inesquecíveis: Daniela Abade

Foram os óculos de sol. Os meus começaram a se desmantelar depois que saí do carro e atravessei a rua para visitar um cliente – um pino se soltou e me vi obrigada a ficar de quatro no asfalto, juntando pedaços de armação. Os dele não existiam e foi exatamente a ausência dessa proteção que o cegou momentaneamente quando contornava a esquina com seu caminhão. Outras teorias, algumas mais científicas, outras mais supersticiosas, surgiram durante semanas, mas de forma alguma elas mudam ou mudarão o fato principal desta história: eu, Carla de Souza Almeida, morri. Aos 30 anos, solteira, com uma carreira promissora pela frente e o péssimo hábito de comprar óculos de sol em liquidação. Narradores defuntos são um truque literário antigo, mas mesmo assim o par de parágrafos que abre “Depois que acabou” (Editora Gênese, 2003), romance de estréia da escritora santista Daniela Abade, é de tirar o chapéu. Em sua precisão tragicômica, deve ser no mínimo um sério candidato a melhor início de romance da tal “jovem literatura brasileira”. Pouca gente prestou atenção.

Leonardo Sciascia: ‘A cada um o seu’
Primeira mão / 20/07/2007

O grande escritor siciliano Leonardo Sciascia (1921-1989) andava negligenciado pelas editoras brasileiras há alguns anos. Terá saído de moda a literatura engajada, sempre às voltas com temas políticos, de um escritor que acabaria mesmo se lançando na política partidária – inicialmente pelo PCI e depois pelo Partido Radical? É possível. Quantos leitores jovens saberão sequer que seu sobrenome é pronunciado Xaxa ? Seja como for, essa ausência temporária torna ainda mais digno de comemoração o lançamento do romance “A cada um o seu” (Alfaguara, tradução de Nilson Moulin, R$ 26,90, 136 páginas). Na superfície, trata-se de uma história policial de leitura compulsiva, curta e seca, imperdível para os fãs do gênero. Mas basta cavar um palmo para encontrar um estudo penetrante e uma denúncia feroz da lógica mafiosa, com sua rede de silêncios, corrupção e violência – tema em que o autor não tem rival. Lançado na Itália em 1966, “A cada um o seu” traz Sciascia em grande forma e em dose concentrada. A carta chegou com a entrega da tarde. O carteiro apoiou antes no balcão, como de costume, o maço colorido dos folhetos de propaganda; depois, com cuidado, como se houvesse perigo de vê-la explodir, a carta:…

Culposo?
Sobrescritos / 19/07/2007

O problema de Demóstenes Bastião era que ele escrevia em preto-e-branco. Não num preto-e-branco estiloso ou expressionista. Num preto-e-branco cinza, cinza-e-branco, cinza-e-cinza. Chiadeira das mais invernosas, sua prosa era mais cacete que a palavra “cacete” usada como adjetivo, mais morrinha que um daqueles lençóis de vapor que uma vez por década envelopam o mundo por semanas, meses, sem chover nem sair de cima, até os canários virarem limo e os orgasmos, perebas. Desprovida de quaisquer efeitos poéticos, dramáticos ou cômicos que soassem minimamente autênticos, a prosa de Demóstenes Bastião era sem lustro, sem lastro, sem risco, sem gosto, sem gusto. Nada iluminava, nada movia. Movia-se, só, e penosamente. Era como se desafiasse o leitor a cada advérbio preciosista, a cada contorno de frase corretíssimo e vão: se você não desistir, não espere que desista eu. Renitente, isso não dá para negar que a escrita de Demóstenes Bastião fosse. Feito um vírus combalido que, de uma hora para a outra, ao descuido mais bobo, pode ser mortal. E aqui não se trata de metáfora, infelizmente. Consta que houve mesmo seis ou sete casos funestos. Está certo que o sujeito acabar de ler um livro de Demóstenes Bastião e morrer ali mesmo,…

Só rindo
NoMínimo / 18/07/2007

Corajoso é o experiente jornalista e semelhante meu, a nível de literato, Mario Sabino, chefe do crítico literário Jerônimo Teixeira, ao atrair para si, a nível de chefe de revista burra para consumidores médios de revistas nacionais que se julgam inteligentes, o ressentimento de seus semelhantes literatos, aos quais trata com desprezo monumental, com um grande desprendimento de vaidade, já que possui a coragem de assumir publicamente, a nível de programa inteligente de literatura da televisão, programa que só gente inteligente, a nível de se interessar por literatura, assiste, que ele, o maduro jornalista, o inteligente semelhante meu, a nível de universo literário, é melhor, superior, a todos os seus, dele, do chefe formador da opinião de seus subalternos formadores de opinião com alto poder de penetração nacional, alto poder de viver uma vida legal, vida de formador de opinião, em São Paulo, de noite, assim no inverno, aquele friozinho, aqueles bares legais, um grupo novo de amigos, o crítico literário, lá, desbravando aos poucos as entranhas da grande capital, da cultura multidisciplinar do friozinho de inverno, na noite de São Paulo, aquelas sacadas sobre a literatura, a arte, a morte, os semelhante inferiores, semelhantes literatos. Pô, se o Mario…

Oz e a capacidade de imaginar o outro
NoMínimo / 17/07/2007

E não é que aquele mago quatro-olhos (veja a nota abaixo) ainda é capaz de conjurar boas discussões? Mas uma pergunta que pode ser respondida sem apelar para o gosto é: a diminuição de horas de leitura por prazer e o poder de atração dos grandes sucessos são mesmo um problema cultural grave? Se eu tivesse que responder agora, diria não. Grave é não saber ler, ser incapaz de decodificar um texto, mas cada vez menos pessoas sofrem desse problema. Passar desse ponto é uma questão de gosto. Leitores fanáticos podemos ficar tristes pela pequena popularidade do nosso passatempo, mas não devemos esquecer que literatura é isso, um passatempo, e que preferir fazer outra coisa não é tão mal assim. Comentário de Lucas Murtinho — July 17, 2007 @ 9:38 am Discordo, Lucas: acho um tanto grave sim, embora admita que é difícil sustentar minha tese com argumentos frios. Quem valoriza a leitura – e especialmente a leitura de ficção – como mais que um mero “passatempo” tende a se revoltar contra sua evidente perda de peso cultural por razões, antes de mais nada, irracionais, defensivas, talvez preconceituosas mesmo. Até aí eu concordo. Temos, afinal, o cinema, a música, os…

Potter, não-Potter, Potter, não-Potter…
Posts / 16/07/2007

Sim, eu sei: o assunto costuma render debates lamentáveis. Lixo para alguns, maravilha para outros, Harry Potter pode ser uma prova cabal do emburrecimento do mundo ou a melhor coisa que acontece para a popularização da leitura desde que Gutenberg inventou sua máquina sujona. Para quem tende a achar que a verdade imprime melhor em meios-tons, essa polêmica já soa vazia há alguns anos. Mais um motivo para ler o artigo (acesso livre, em inglês) que o crítico literário Ron Charles publicou ontem no “Washington Post”. Aproveitando a deixa dada por sua filha de dez anos – que, entediada, lhe pediu que parasse de ler os livros da série para ela –, Charles tenta entender por que os números da indústria editorial e de institutos de pesquisa indicam que não, Harry Potter não está estimulando a leitura de ficção de um modo geral, mas apenas a leitura de… Harry Potter: Talvez mergulhar o mundo numa orgia histérica de marketing não encoraje o tipo de contemplação, independência e solidão que o verdadeiro envolvimento com livros exige – e recompensa. Deve-se considerar que, com o lançamento de cada novo volume, os leitores de Rowling vêm sendo levados não apenas a surtos mais…

Corrupção
A palavra é... / 13/07/2007

Antes de designar a venda ilegal de favores por representantes do poder público, corrupção é deterioração, decomposição física, apodrecimento. “Corrupto” vem do latim corruptus, particípio de “corromper”: é o corrompido, o podre, o que se deixou estragar. Como se vê, nossa linguagem condena a corrupção com uma veemência muito maior do que seria de esperar numa sociedade inclinada a pagar a cerveja do guarda sem pensar duas vezes. Pior: a palavra pode nos induzir ao erro quando dá a entender que a prática é uma espécie de acidente ou queda, desvio lamentável num caminho feito para ser reto e solar. E se ela estiver mais próxima de ser um sistema? (Este texto, que eu já nem recordava, me abordou cheio de marra agora há pouco, quando eu buscava outra coisa aqui na memória do computador. Compreendo-lhe a ansiedade. Talvez seja mais atual hoje do que quando foi publicado pela primeira vez, pouco mais de dois anos atrás.)

Começos inesquecíveis: José Agrippino de Paula

Eu sobrevoava com o meu helicóptero os caminhões despejando areia no limite do imenso mar de gelatina verde. Sobrevoei a praia que estava sendo construída e o helicóptero passou sobre o caminhão de gasolina onde um negro experimentava o lança-chamas. Eu falei com o piloto do meu helicóptero apontando o caminhão de gasolina, e o helicóptero fez uma manobra sobre o caminhão-tanque e pousou alguns metros adiante. Eu saltei do helicóptero e gritei para o enorme negro que verificava o lança-chamas: “Hei!” Eu perguntei a ele como estava o lança-chamas para funcionar como coluna de fogo. O preto disse que eu me afastasse alguns metros e ligou o lança-chamas para o alto. O lança-chamas esguichou para cima um jato de fogo e o enorme negro fazia sinais para o homem que controlava a gasolina junto ao carro-tanque. Eu gritei para o negro que estava ótimo, que era exatamente aquilo que eu desejava. O negro foi controlando a saída de gasolina e a enorme nuvem de fogo erguida para cima foi diminuindo até se extinguir. Eu perguntei ao negro se ele sabia onde ele ia se esconder com o lança-chamas. O negro respondeu que o engenheiro já havia construído uma pequena…

A oficina baratinha de Ivan Ângelo
NoMínimo / 11/07/2007

Oficina literária de melhor custo/benefício eu não conheço: comprar num sebo (os preços, na Estante Virtual, começam em R$ 5) um exemplar do livro de contos “A face horrível”, do escritor mineiro Ivan Ângelo (Nova Fronteira, 1986), e ir direto às três últimas histórias, chamadas “Dénouement”, “Entrevero do autor com seu conto” e “Final”. As três histórias são, de certa forma, uma só. Eis a oficina. Convém explicar. Como a maior parte dos contos de “A face horrível” foi publicada pela primeira vez na juventude do autor, em 1961, num livro chamado “Duas faces” (em parceria com Silviano Santiago), Ivan Ângelo avisa num curto prefácio que deu uma retocada em todos eles, coisa leve. O caso de “Dénouement” é o único em que a intervenção do autor maduro foi radical – e, felizmente, feita para todo mundo ver. Primeiro lemos a história como ela foi escrita em 1959. Depois, no “Entrevero…”, o mesmo conto é dissecado impiedosamente, entremeado de anotações críticas em itálico. Por fim, em “Final”, lá está a mesma (?) história, agora em sua versão moderna, sem dúvida superior. Para quem escreve ou quer escrever ficção a sério, uma delícia de exercício. Talvez a única desvantagem na comparação…

Apontamentos: a Flip que eu pude ver
NoMínimo / 09/07/2007

Quando finalmente cheguei a Parati, era fim de tarde de sexta-feira e o trem já ia lá na frente, puxado por uma locomotiva desembestada chamada Will Self, com seu rastro fumegante de gozações agressivas com tudo e com todos, no geral e no particular – da própria literatura ao mediador de sua mesa, Arthur Dapieve, a quem terminou propondo galhofeiramente que tivessem um caso e fugissem para a Amazônia, onde se dedicariam ao esporte nacional de “derrubar árvores”. Meu amigo Dapi disse ter ficado à vontade com isso – a experiência de contracenar com Marcelo Madureira na TV deixa qualquer um preparado para gozações pesadas – mas a Flip pareceu se dividir diante do anarquismo meta-arrogante da persona maluca que Self criou para si (dizem que é afável na “vida real”). De acordo com uma pesquisa informal que conduzi, o espetáculo selfish divertiu e revoltou o público em partes mais ou menos iguais. Fiquei com a impressão de ter sido esta a minha maior perda na quinta edição do evento. Sou admirador das sátiras de Will Self – brilhantes nos melhores casos e pelo menos curiosas nos menos felizes – desde que esbarrei com seu livro de estréia em Londres…

Caros leitores, não deu
NoMínimo / 04/07/2007

Lamento informar que uma emergência de família me interrompeu literalmente no meio a viagem para Parati. Pode ser – não garanto – que ainda dê um pulo até lá no fim de semana, mas pelo menos nos próximos dois dias é certo que o Todoprosa ficará em silêncio. Desculpem o anticlímax.

Ivan vê o (fim do) mundo
NoMínimo / 04/07/2007

NoMínimo era uma das poucas provas de que ainda havia alguma inteligência nesse troço, nesse paisão aí. Foi-se. Acabou. Não tem mais. Como “fica para a próxima”? Como “até breve”? Então acham mesmo que há a possibilidade de uma entidade patrocinadora, de um anunciante esclarecido, vir a perceber que sem inteligência não vai acontecer coisíssima alguma nesse bostoso Bananão? Bem no meio desse merdejante mundo em que comemos e somos comidos? Peço licença para pegar um desvio no caminho para Parati e recomendar a todos o antológico artigo de hoje de Ivan Lessa na BBC Brasil sobre o fim do “NoMínimo”. Tudo o que ele diz ali é batata – com a provável exceção dos elogios pesados e tendenciosos a este escriba, que tem a honra de ser seu amigo. Em matéria de jornalismo inteligente e não reconhecido pelo mercado o cara tem pós-graduação, não me lembro se em Oxford ou em Cambridge.

Menos, menos
NoMínimo / 04/07/2007

Leio no “Globo” que a procura pela Flip tem sido maior este ano porque o evento “reúne mais autores célebres do que nas edições anteriores”. Longe disso. Se a cidade anda mais superlotada do que o normal (daqui a algumas horas poderei julgar por minha conta), o próprio amadurecimento da festa na consciência do público será a razão mais provável. O fato é que, no mencionado quesito “celebridade”, o elenco de 2004 não tem concorrente na história da Flip. Ian McEwan, Martin Amis, Paul Auster, Chico Buarque e Caetano Veloso fazem a respeitável galera deste ano parecer um time B no que diz respeito ao poder de atração sobre público e imprensa.