A história do livro como tecnologia – o livro como uma tecnologia revolucionária, de ruptura – precisa ser contada honestamente, sem triunfalismo nem derrotismo, sem esperança nem desespero, como Isak Dinesen nos recomendava escrever. Um grande obstáculo à produção de um relato desse tipo, contudo, é a “heurística da disponibilidade”. Trata-se de um modelo de psicologia cognitiva proposto pela primeira vez em 1973 por D...
Estou lendo com muito prazer o recém-lançado “Conversas com escritores”, de Ramona Koval (Globo Livros, Biblioteca Azul, tradução de Denise Bottmann). É apropriado que o título chame de “conversas” (no original, conversations) as entrevistas feitas pela escritora e jornalista australiana especializada em literatura com 26 autores – entre eles Saul Bellow, Ian McEwan, Toni Morrison, Harold Pinter, Gore Vidal, Mario Vargas...
Ouvir a voz de Leon Tolstoi, um dos maiores escritores do século XIX, é uma experiência quase fantasmagórica. É difícil espantar a ideia de que aquele som não vem do além, mas foi realmente articulado por um ser vivo e gravado por meios terrenos, prosaicos. O fato de que nessa rara gravação de 1909 – um ano antes de sua morte – o escritor não está falando russo, mas inglês, torna tudo ainda mais estranho. Numa cortesia ...
httpv://www.youtube.com/watch?v=CdTN_3kgPaY Hoje o Pop Literário de Sexta deixa momentaneamente de lado as velharias e as esquisitices para falar de duas produções cinematográficas atuais, cheias de estrelas e de apelo midiático. Os filmes eu ainda não vi, mas esses dois trailers de adaptações recentíssimas de clássicos da literatura, um do século XIX e o outro do XX, são promissores. Acima, o trailer de “O grande Gatsby...
Ia entrar na garagem de seu edifício quando um PM fortão de cabeça raspada fez sinal para que encostasse o carro. Obedeceu, claro. Baixou o vidro da janela. – Boa noite, cidadão. Seu farol está queimado. – É mesmo? – ele fingiu que não sabia, lendo a identificação do homem no bolso do uniforme: sargento Hudson. – Prometo consertar amanhã cedo, sargento. – Mas isso é uma infração, cidadão. Como é que fica? Claro,...
Numa das cartas do recém-lançado Here and now – que traz a intensa correspondência trocada por J.M. Coetzee e Paul Auster entre 2008 e 2011 e que teve um excerto publicado no site da “New Yorker” – o escritor sul-africano explica por que discorda do amigo americano quando ele sustenta que a dimensão estética do esporte explica seu fascínio sobre o espectador. De forma nada surpreendente, Coetzee leva a conversa para o camp...
httpv://www.youtube.com/watch?v=RjWKPdDk0_U A adaptação cinematográfica assinada por Paul Thomas Anderson (“Boogie nights”, “O mestre”), com Joaquin Phoenix no papel do detetive Doc Sportello, está em pré-produção e é prometida para 2014. Enquanto ela não vem, o Pop Literário de Sexta fica com o trailer também cinematográfico do romance pós-policial “Vício inerente” (Companhia das Letras, 2010, tradução de Ca...
O chinês Mo Yan (foto), Nobel de literatura do ano passado, se defendeu em entrevista ao Der Spiegel – a meu ver, bem – das acusações generalizadas de ser um escritor governista. Em inglês (melhor do que alemão, certo?), aqui. Como noticiou ano passado o vizinho “Veja Meus Livros”, Mo Yan é considerado por alguns especialistas ocidentais em assuntos chineses uma espécie de “via do meio”. * Morrissey, e...
Nos contos de “Ficções”, um dos maiores livros do século XX, Jorge Luis Borges propõe vários jogos literários em seu estilo inimitável (embora não falte quem tente imitá-lo), no qual se misturam de forma quase inverossímil a seriedade mortal da investigação erudita sobre os limites da linguagem e uma espécie de molecagem irônica que torna possível ler seus rigorosos artefatos ficcionais com um prazer e um abandono nor...
Depois da banda Pussy Riot, Vladimir Nabokov (foto) é a nova vítima da ruidosa onda de ultraconservadorismo – nacionalista, populista, autoritário, religioso, anti-ocidental – que varre a Rússia de seu xará Vladimir Putin. Michael Idov conta no blog de livros da “New Yorker” (aqui, em inglês) como uma adaptação teatral de “Lolita” que estreou no início do ano em São Petersburgo tem despertado em parte da populaçã...
De todos os itens do baú de David Foster Wallace que vêm surgindo, em número proporcional ao crescimento do culto ao escritor americano que se suicidou em 2008, um dos que considero mais interessantes é também um dos mais modestos: o programa de um curso de “análise literária” (na reprodução ao lado, a primeira página) que ele ministrou na universidade de Illinois em 1994. O programa é comentado (aqui, em inglês) pelo si...
O segredo que Mark McGurl revela em ‘The Program Era: Postwar Fiction and the Rise of Creative Writing’ é o quanto a riqueza da cultura americana do pós-guerra (e aqui me atenho ao romance, por motivos que serão explicados) é produto de um sistema universitário e, o que é pior, do programa de escrita criativa como parte institucional e institucionalizada desse sistema. Não se trata apenas de uma questão de documentação e p...
O Pop Literário de Sexta de hoje começou a nascer quando li esta notícia (em inglês) sobre a homenagem que o Royal Mail, o correio britânico, está fazendo a Jane Austen para comemorar os duzentos anos do romance “Orgulho e preconceito”: o lançamento de uma bonita série de selos inspirada em seus livros. Com motivos literários ou não, selos como veículos de homenagem têm uma longa tradição. Que continua viva, embora o m...
Essa apostasia se insinua no abismo largo que separa o fim de um romance do início do próximo. Não se trata de um bloqueio, não é uma longa noite, mas uma questão de profunda indiferença. A felicidade está em algum outro lugar. Passam-se os meses e lá vem uma virada, um realinhamento. Começa com um cutucão. Um detalhe, uma frase ou uma sentença pode dar início a esse retorno. Não precisa ser brilhante. Basta exalar um cert...
Spine poetry, ou poesia de lombada, é a arte – pelo menos no sentido travesso da palavra – de empilhar livros de tal forma que os títulos formem um todo inteligível. Com sorte, um poema. Consta que a ideia surgiu em 1993, mas foi só no ano passado que a prática começou a virar febre no mundo anglófono – veja aqui e aqui. A foto aí em cima flagra minha primeira tentativa de dominar essa, digamos, nova linguagem literária. ...
Conversando outro dia com uma amiga, romancista talentosa que tem ministrado oficinas literárias, ela dizia que uma de suas maiores dificuldades é explicar aos alunos o que vem a ser um clichê. Fazer o orgulhoso autor de uma frase como “as ondas lambiam voluptuosamente a areia”, que tanto o agrada por sua carga poética, compreender que ela é inaceitável. Não apenas ruim mas desclassificante, algo que um leitor mais exigente t...
Documentos policiais recém-desencavados provam algo que há muito se murmurava por aí: há em “A sangue frio”, clássico absoluto do jornalismo literário (ou do romance de não-ficção, como o autor o chamou) publicado em 1966 por Truman Capote (foto), imprecisões factuais que vão além dos pormenores irrelevantes que até hoje tinham sido apontados. O livro reconstitui o assassinato brutal, ocorrido sete anos antes, de uma fa...