Escrever um romance é como fazer uma cadeira. Você projeta, serra, prega, depois senta para experimentar e, se não desabar, é um romance. Aí lixa, pinta, enverniza o quanto quiser, ou não, deixa tudo tosco, não importa porque, se a cadeira não desabou, já é um romance. Não, escrever um romance não tem nada a ver com marcenaria, está mais para alquimia. Você mistura os líquidos e fica esperando a explosão, que, aliás, ra...
Um texto sobre o romance “Esperando Zilanda” ([e] editorial, 2010), bom livro de estreia da escritora carioca Tamara Sender, garantiu a Felipe Charbel o primeiro lugar no I Concurso Todoprosa de Resenhas – Brasil, século 21. Experiente no ramo, Charbel produziu uma apreciação crítica lapidar em que descrição, interpretação, referências a outras obras e texto apurado se fundem com enganosa facilidade. Para seguir à risca ...
Com um texto sobre o romance “Mãos de Cavalo”, de Daniel Galera (Companhia das Letras, 2006), Leonardo Petersen Lamha ficou com a segunda posição no I Concurso Todoprosa de Resenhas – Brasil, século 21. A sacada do personagem “em dúvida sobre seu próprio arco dramático” me parece uma contribuição relevante à leitura desse livro já tão comentado. Em suas próprias palavras, Lamha “tem 23 anos, cursa o último per...
Publico hoje o primeiro dos textos vencedores do I Concurso Todoprosa de Resenhas – Brasil, século 21. Terceira colocada na disputa, a resenha assinada por Gilda Oswaldo Cruz chegou de Lisboa e discorre de modo competente – ainda que em tom mais descritivo que analítico – sobre o romance “Traduzindo Hannah”, de Ronaldo Wrobel, lançado ano passado pela editora Record. O segundo colocado será publicado na quarta-feira e o pr...
O poeta faz a barba, contente. O espelho lhe devolve isso: o poeta faz a barba. E acordou contente. Se o poeta se enxergasse, se tivesse um espelho de mínima fidelidade diante de si, talvez não estivesse tão contente. O poeta é barrigudo, preguiçoso, solteirão, duro, meio dependente da mãe, bebe demais, fuma maconha demais, precisa tratar dos dentes. Além disso é dado a surtos de mau humor que, ao longo dos anos, já lhe custar...
Dagoberto Castro de Menezes fechou seu Ovídio magro ricamente encadernado e o pousou na banqueta Joaquim Tenreiro ao lado da Bergère, de onde tomou da xícara fumegante de Darjeeling e de um Agamben que lia com apetite cada vez mais magalizesco, para citar Maurício. Leu concentradamente por quarenta e oito minutos. De repente pôs o livro de lado e pulou da poltrona pensando no homo sacer. A tarde envelhecia. Puxou uma cordinha. Um m...
Peço desculpas a todo mundo que comprou meu ebook “Baby, I’m yours” e leu na página 293: “Ele se retesou por um instante, mas então ela sentiu seus músculos ficando mais relaxados, e ele cagou no chão”. Susan Andersen, autora americana de romances românticos conhecida por adicionar pitadas de pimenta na massa açucarada, foi obrigada a esclarecer que não, seu herói não precisa de fralda geriátrica e de modo algum lhe...
Na literatura – sobretudo a americana, mas não apenas nela – o principal efeito da queda das Torres Gêmeas, que completa dez anos neste domingo, foi o surgimento de um novo subgênero, chamado em inglês de 9/11 novel, “romance do 11 de setembro”. Agrupar no escaninho de um subgênero as muitas obras de ficção que tentaram dar conta do impacto psicossocial “extremamente alto” do atentado (para citar o título de Jonathan...
Diversão de feriado: uma curiosa lista de dez musas da literatura em todos os tempos, feita pelo blog coletivo “Mais 1 Livro”. Espera aí, Mayra Dias Gomes está dentro e a jovem Lygia Fagundes Telles (foto), fora?! Será que estamos nos entendendo sobre o significado da palavra “musa” – ou, por falar nisso, da palavra “literatura”? Pois é. Como ocorre com todas as listas do gênero, a melhor parte da diversão é discor...
No sábado, publiquei aqui no blog vizinho VEJA Meus Livros o resultado de uma ótima conversa, entre expressos e capuccinos, com o escritor português (nascido em Angola) Gonçalo M. Tavares, que veio ao Rio para participar da Bienal do Livro. O festejado escritor de 41 anos, para quem José Saramago vaticinou o Prêmio Nobel, discorre sobre seu peculiar método de trabalho e sua produtividade quase insultuosa, além de falar com simpa...
O mantra de que poucos leitores brasileiros estão interessados na ficção escrita hoje no país, entoado por escritores e críticos, só se sustenta por meio do artifício de excluir do campo da ficção nacional o maior fenômeno de popularidade do século 21. Sim, faz tempo que nossas listas de best-sellers viraram terra estrangeira, mas dificilmente alguma estrela internacional arrastará tanta gente à Bienal do Livro do Rio, que ...
Evento da indústria editorial, a 15ª Bienal do Rio, que ocupa de amanhã ao dia 11 de setembro uma área de 55 mil metros quadrados no Riocentro, não é exatamente uma feira literária – não no sentido estrito desta palavra. É uma feira do livro, o que faz tanta diferença que explica o aparente paradoxo do sucesso de massa do evento num país com três quartos da população em situação de analfabetismo funcional e que carrega...
A propósito do lançamento do tijolão The Cambridge history of the American novel, produto de um coletivo de acadêmicos, o crítico Joseph Epstein publicou sábado no “Wall Street Journal” o mais devastador artigo (em inglês, acesso gratuito) que já li sobre o progressivo afastamento entre os estudos literários feitos no âmbito da universidade e tudo aquilo que na vida real faz da literatura, literatura. “Só o que ficou fo...
O escritor escocês Ewan Morrison provocou um barulho considerável no Festival de Livros de Edimburgo, há poucos dias, com uma palestra (transcrição resumida do “Guardian”, em inglês) tão fundamentada quanto apocalíptica em que, além de dar razão a quem prevê para o futuro próximo o fim do livro de papel (para o qual estima uma sobrevida de apenas uma geração), pinta um cenário em que o próprio ofício de escr...
Aí não, Babelia! A última edição do bom caderno literário do jornal espanhol “El País” trouxe na capa, com a assinatura de William Ospina, um abrangente apanhado da literatura produzida na região amazônica, “O grande rio dos mitos”, a pretexto dos quinhentos anos de Francisco de Orellana, “descobridor” do rio. O problema é que o texto é abrangente demais: inclui entre os expoentes da literatura amazônica “Os se...
O típico romance brasileiro contemporâneo não quer saber do passado, seja em forma de história ou de mito. Para ele o passado perdeu substância e virou uma obsolescência de mau gosto, museu da irrepresentabilidade da experiência humana. À parte uma óbvia diversidade – apregoada em excesso, a meu ver – qual é o narrador típico da ficção brasileira dos últimos vinte anos? Eu diria que é o sujeito solitário e cético qu...
Uma baleia – aliás extinta – batizada Livyatan melvillei (o bicho maior aí ao lado) em homenagem a Herman Melville, autor de “Moby Dick”, parece algo bastante lógico, não? Mas o que tem Leon Tolstoi a ver com a cratera de Mercúrio que leva o seu nome? O mesmo que figuras tão díspares quanto Homero, Cervantes, Shakespeare, Balzac, Rimbaud, Proust, Neruda e Calvino (o Italo, ele mesmo), entre muitos outros escritores, todos...