Como não tenho a memória perfeita de Irineu Funes, sei apenas que estava no México a trabalho, cobrindo para um jornal brasileiro a Copa do Mundo que seria vencida de forma acachapante pela Argentina de Maradona, quando recebi a notícia da morte de Jorge Luis Borges. Lembro-me de ter ficado triste, o que é uma memória óbvia. Se tivesse uma fração do dom de Funes – personagem de Funes, o memorioso, um dos melhores contos de ...
Se estivesse em curso um debate crítico de verdade sobre a literatura brasileira contemporânea, o romance “Habitante irreal”, de Paulo Scott (Alfaguara, 264 páginas, R$ 39,90), preencheria todos os requisitos para se por em seu centro e se tornar um teste de realidade para as teses antagônicas que cruzariam o ar: as que pregassem a falência artística de toda representação do real, as que declarassem nojinho da tradição e q...
Contra a maré: a jovem escritora americana Edan Lepucki faz, no site “The Millions”, uma interessante lista de seis “Razões para não se autopublicar em 2011-2012” (em inglês, acesso gratuito). Autora (agora no feminino, com o colunista ajoelhado no milho, valeu Hilary Kaplan!) de uma única novela mais ou menos obscura – que as grandes casas editoriais esnobaram e que acabou lançada por uma editora pequena – e no proces...
O esquema escritor A e escritor B (aqui) é, obviamente, uma simplificação. Não duvido que haja infinitas formas, e não apenas duas, de uma pessoa vocacionada para escrever lidar com tal fato, fazê-lo caber em sua vida como um sofá de três lugares na sala. No entanto, quantas dessas formas não serão apenas variações em torno de A e B, sequências A-B? Vamos admitir a verdade: a maior parte dos escritores e candidatos a escrit...
Acabou que, tanto quebrou a cara por aí, você se viu forçado a reconhecer: não tem nada que saiba fazer melhor nesta vida do que escrever. Construir esculturas de palavras, pequenos objetos, biscoitos ou ensaios para uma futura pirâmide, não importa. De todo modo, escrever. Ficar horas à frente de uma tela em branco e sujar aquela planura, desenhar alguma coisa. Você talvez esteja, quem sabe, até contente com a descoberta disso...
httpv://www.youtube.com/watch?v=_jZVE5uF24Q Para não deixar cair mais uma vez no esquecimento a seriíssima série Pop Literário – que aparece aqui no blog às sextas-feiras, ou então não aparece – aí vai o bem produzido, divertido e premiado trailer do mashup “Razão e sensibilidade e monstros marinhos”, de 2009....
Sim, Roberto Bolaño (foto) escreveu uma história de zumbis – tendo a TV como intermediária, mas escreveu. Clique aqui para ver uma animação (meio desanimada, mas estilosa) baseada em seu conto The colonel’s son, “O filho do coronel”, publicado pela “Granta” inglesa em sua edição de horror. (Via The Book Bench.) * Antes eu me satisfazia com a imagem nebulosa de um novo e persuasivo crítico que deixava todo mundo excit...
Michel Laub foi o primeiro a me chamar a atenção, via Twitter, para uma tensão de ideias entre o ensaio publicado este mês por Bernardo Carvalho na “piauí”, intitulado “Em defesa da obra”, e um post mais alentado que apareceu aqui no início do mês, assim que voltei das férias: Os indies, a morte da crítica e o caleidoscópio. Os dois textos têm aspirações e fôlegos diferentes, mas tratam, no fundo, do mesmo tema, al...
httpv://www.youtube.com/watch?v=W4s9V8aQu4c O blogueiro retoma a negligenciada série Pop Literário de Sexta com uma bela pepita de cinemateca: o curta de animação The tell-tale heart (“O coração delator”), adaptação fiel do conto de Edgar Allan Poe. Esta é, de longe, a melhor das incontáveis versões audiovisuais dessa obra-prima da literatura de terror disponíveis no YouTube. Lançado pela Columbia no distante 1953, o fi...
Não dá para derivar personagens muito profundos ou suspense narrativo da convicção de que Jesus salva e tudo vai acabar bem. Até Charles Dickens se atrapalhou. Emérito contador de histórias, ele queria – embora não fosse lá tão cristão assim – que seus filhos soubessem “algo da história de Jesus Cristo”. Em fins da década de 1840, escreveu ‘A Vida de Nosso Senhor’ e a recitou para eles no Natal. “Jamais viveu ...
– O Poeta Municipal de primeira classe 738-B33 mandou um requerimento. – O que ele quer? – Ser promovido a Poeta Estadual de segunda classe. – Ah, de segunda direto? Terceira não serve? – É o que está no requerimento, senhor: “…vem solicitar de Vossa Gloriosíssima a promoção deste humilde artista a Poeta Estadual de segunda classe por notório saber, blábláblá”. Anexa um livrinho. – Não me digas que é o ...
É cruelmente divertida a resenha de Geoff Dyer (no “Financial Times”, acesso livre) sobre a recém-publicada biografia de Martin Amis (foto), escrita por Richard Bradford. Dyer defende a tese de que Amis rompeu com seu biógrafo não por desaprovar as revelações do livro (não há nenhuma, segundo ele), mas por ser alérgico a textos mal escritos. Depois de listar mais um de muitos exemplos de prosa pedregosa, observa: Seria poss...
Pouco perguntam sobre literatura ao israelense Amós Oz, 72 anos, embora ele seja um baita escritor. Oz costuma falar muito mais de política, o que é compreensível. Desde 1967, quando começou a se pronunciar publicamente a favor da criação do Estado palestino, ele vem sendo a face progressista mais constante de Israel, alguém com quem o diálogo é possível mesmo nos momentos de maior recrudescimento do conflito israelense-pales...
O novo livro de Haruki Murakami, “1Q84”, tem 928 páginas. O estouradíssimo George RR Martin, resposta americana a Tolkien, escreveu para a série “Crônicas de gelo e fogo” cinco tijolos de muitas centenas de páginas cada um, que na soma das tiragens dariam para construir metrópoles inteiras de casas robustas, com paredes à prova de som. Estamos na terra dos gigantes, em que o último título megahypado da literatura americ...
Mesmo de férias – que decidi, num lance ousado, estender às redes sociais e parcialmente ao email, pois do contrário não seriam bem férias – eu não pude evitar que me chegassem ecos de uma polêmica cultural paulistana moderadamente interessante, aquela deflagrada pelo jornalista Álvaro Pereira Júnior ao criticar o clima de compadrio que ele acredita dominar a cena musical dita indie da cidade. Sim, eu sei que o assunto fico...
A palestra que o ficcionista e crítico argentino Ricardo Piglia deu esta semana em São Paulo (segunda-feira) e no Rio (quarta) durou pouco menos de uma hora. Pareceu durar dez minutos. Foi a primeira vez que as palavras do autor de “Respiração artificial” me chegaram pelos ouvidos, em vez de pelos olhos, e o ineditismo dessa experiência foi em si um princípio de revelação. Deu vontade de reler seus ensaios – como os de “...
O blog Booklicious tem, toda quarta, uma seção chamada Bookcase Wednesday, dedicada a estantes criativas, belas, inspiradoras, bizarras ou apenas, no sentido mais amplo possível, interessantes. Está certo que, como ocorre frequentemente com designs ousados, é comum a forma se sobrepor à função. Mesmo assim, recomendo visitas regulares a todo mundo que, amando livros, aprendeu a amar também o lugar onde eles moram. Esta estante ...