Nos últimos anos eu me tornei, para minha considerável surpresa, romancista em tempo integral. Como ganho a vida com a venda de meus livros, pode parecer estranho que eu esteja neste momento publicando em capítulos na internet um novo romance, Beasts of New York, para quem quiser ler, inteiramente grátis. Por quê? Porque, para citar o editor Tim O’Reilly, “a maior ameaça que um artista enfrenta é a obscuridade, não a piratar...
A entrevista do deputado Roberto Jefferson publicada pela “Folha de S. Paulo” naquela segunda-feira, 6 de junho de 2005, marcou um fato raro no mundo das palavras: o momento exato em que nascia uma nova acepção, um novo sentido. No caso, um sentido destinado a fazer tanto sucesso que hoje deixa num pálido segundo plano a acepção até então exclusiva de mensalão – “recolhimento facultativo que pode ser efetuado pelo contri...
Hoje o futebol está morto, e duvido que alguém ainda chore por ele, mas não era assim no dia 12 de fevereiro de 1989. “O segundo tempo”, de Michel Laub (Companhia das Letras, 2006), um dos bons livros brasileiros do ano passado, tem uma frase inicial ainda melhor. Digna de antologia ou manual para escritores, ela consegue condensar em pouquíssimas palavras, com a falsa simplicidade que a ocasião exige, uma apresentação cláss...
Imperdoável. Depois de séculos de procura, o pessoal finalmente descobre uma utilidade clara para a ficção – sobretudo para a ficção cheia de ação e sexo, o que é uma forma de unir o útil ao agradável – e este blog franga a notícia. Única desculpa para minha distração: por aqueles dias eu andava envolvido com um programa de musculação baseado no levantamento de The Complete Pelican Shakespeare....
De toda a fanfarra pelo aniversário de 50 anos da publicação de On the road (“Pé na estrada”, na tradução de Eduardo Bueno para a L&PM), de Jack Kerouac, a parte realmente interessante do ponto de vista literário é a publicação do manuscrito original, não editado, com pontuação esparsa e dando aos personagens seus nomes verdadeiros. On the road: the original scroll, que acaba de sair nos EUA, reproduz o livro exata...
Crash, evidentemente, não tem a ver com um desastre imaginário, embora iminente, mas com um cataclismo pandêmico que a cada ano mata centenas de milhares de pessoas e fere milhões. Será que enxergamos, no desastre de carro, um sinistro presságio de um casamento de pesadelo entre o sexo e a tecnologia? A moderna tecnologia nos proporcionará meios até hoje não sonhados de dar vazão a nossas próprias psicopatias? (…) Ao lo...
Agora é quase oficial. Há alguma coisa poderosa e ainda pouco estudada corroendo os alicerces da milenar relação entre escritores (poucos) e leitores (muitos, ou pelo menos não tão poucos). Uma tendência que aponta para a mais edênica utopia internética ou a mais louca distopia tragicômica, dependendo do ponto de vista: a transformação de cada leitor-lagarta do mundo em escritor-borboleta. Um escritor-borboleta sem leitores,...
O DJ retrô contratado pelo shopping center enchia os corredores com a voz grossa de Renato Russo cantando “Eduardo e Mônica” quando a blogueira perguntou as horas ao estruturalista na fila do caixa da megalivraria. Mais tarde, ao se lembrar desse momento e observar que a trilha era simplesmente perfeita, ela o ouviria responder corado com a falta de prática que não, não, perfeita é você. Quando a blogueira o abordou, fingindo...
Não deixe de ler as resenhas e de comentar os resultados, mesmo que você não tenha lido os concorrentes (eu mesmo só li dois), discursa Lucas Murtinho, o cartola. E, se uma resenha despertar seu interesse, não confie no jurado nem nos comentaristas, compre os livros e decida por si mesmo. E divirta-se. Nós, aqui dos bastidores, já estamos nos divertindo. Está no ar o site da Copa de Literatura Brasileira....
Não sei se o Napkin Fiction Project (Projeto Ficção no Guardanapo), uma idéia da revista Esquire, rendeu algum miniconto genial. Só visitei um punhado deles, e seria preciso ler as dezenas de textos disponíveis no site da revista para saber se algum escritor conseguiu rabiscar em seu guardanapo de papel mais do que pura diversão. De qualquer modo, por ser o tipo de pretexto que consegue reunir à mesa dois irmãos cada vez mais d...
No admirável mundo novo da autopublicação, os editores são uma espécie ameaçada. Isso não é de todo ruim. É bom que qualquer pessoa que queira publicar e tenha acesso a um computador não encontre hoje barreira alguma. E certos blogueiros não precisam mesmo de editores: sua prosa é fluente, coloquial, e os leitores não esperam que o trabalho seja elegante ou finamente cinzelado. Sua função principal é comunicar com clarez...
Sempre fui – e digo isso sem orgulho, apenas uma daquelas constatações plácidas que vêm com o autoconhecimento – impermeável à emoção de pedir, que dirá colecionar, autógrafos. Uma dedicatória sincera garatujada por um amigo de fama literária restrita a dois quarteirões e meio sempre teve, na escala afetiva das minhas estantes, muito mais valor do que uma assinatura fria e carrancuda que possa ser arrancada de, sei lá,...
Não é novidade: fazer e escrever livro no Brasil é um péssimo negócio. Autores, editores e livreiros vivem de um mercado sem lógica. Para cada sucesso há incontáveis fracassos. Incontáveis e injustificáveis. Livros muito bons, com ótimo apelo comercial e qualidade literária passam nas mais brancas nuvens e dois anos depois do lançamento são vendidos a quilo ao papeleiro, porque nem as lojas americanas nem as superbancas de...
“Das mais surpreendentes é a vida de tal faca: faca, ou qualquer metáfora, pode ser cultivada. E mais surpreendente ainda é sua cultura: medra não do que come porém do que jejua. Podes abandoná-la, essa faca intestina: jamais a encontrarás melhor que Tramontina.” *** “Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por cinco votos cont...
Acaba de sair o melhor romance brasileiro do ano – sim, em minha módica opinião e até o momento, será preciso fazer a ressalva? O fato é que 2007 vem me dando poucos argumentos para discordar dos leitores que, aqui mesmo na caixa de comentários do Todoprosa, insistem em situar nossa literatura contemporânea numa faixa de (in)competência entre a da Anac e a do beisebol praticado em campos nacionais. E como o blog, com raras exc...
A caixa-preta são duas – uma para gravar conversas na cabine de comando, a outra para registrar dados técnicos do vôo – e não é preta, mas laranja-cheguei. Em certo sentido, é o avesso da mitológica caixa que Zeus confiou a Pandora, aquela que jamais deveria ser aberta porque continha todos os desastres do mundo: depois do desastre é que se abre a caixa-preta. Mas a velha fixação da humanidade em receptáculos lacrados e c...
Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco. Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um rosto peludo. Não deixa de ser uma prova de que não há palavras proibidas, apenas maior ou menor habilidade no uso delas, o fato de “Um retrato ...