Um curioso artigo de Jennifer Vanderbes na revista The Atlantic (aqui, em inglês), intitulado “O argumento evolutivo em favor da ficção de qualidade”, ganha de saída minha simpatia. Como se sabe, vivemos tempos difíceis para a tal ficção de qualidade, um tempo em que alguns de seus ex-aliados se atarefam em graves demonstrações teóricas de que a ficção está esgotada, fetichizada, transformada em mercadoria, e de qualque...
Um homem que se mudou há quase duas décadas para o Canadá, mas acaba de voltar ao país natal para o enterro de sua mãe, reencontra um velho amigo dos tempos de estudante no bar de uma grande cidade terceiro-mundista. Bebem uísque e batem papo. Ou melhor, até onde nos é dado ouvir a conversa, apenas o recém-chegado fala, fala sem parar. O outro ouve com atenção (a julgar por sua capacidade de reproduzir depois, com riqueza de ...
httpv://www.youtube.com/watch?v=-UzRsvCsC4c Adianto abaixo o primeiro capítulo de meu novo romance, “O drible”, que será lançado no dia 26 de setembro pela Companhia das Letras. Antes, durante ou depois da leitura, recomenda-se assistir (acima) ao mais famoso quase-gol da história do futebol. Outro trecho do livro foi publicado pela “Folha de S.Paulo” no caderno Ilustríssima de domingo passado, aqui. Para os...
Listas de conselhos de escritores são um gênero jornalístico de qualidade duvidosa, apesar de sempre atraírem leitores aos magotes – o número de aprendizes das letras que há no mundo, muitos deles inseguros dos caminhos que começam a trilhar, garante seu sucesso. A morte do americano Elmore Leonard, na última terça-feira, aos 87 anos, rendeu grande exposição ao seguinte decálogo elaborado para o “New York Times”...
A morte do escritor americano Elmore Leonard, hoje, aos 87 anos, me levou a buscar um post de pouco menos de um ano atrás (que vai reproduzido abaixo na íntegra) em que saudei sua chegada a uma certa glória literária oficial, na forma de uma condecoração da National Book Foundation e do lançamento de seus livros pela Library of America. A conclusão era a de que o reconhecimento, merecido, era melhor para o establishment do que p...
Em termos literários, Maria, a mãe de Jesus, aparece no Novo Testamento como uma personagem pouco desenvolvida: sem pecado, amorosa, silenciosa, discreta, está lá para criar um filho destinado à glória e ao martírio sem uma única queixa. Não demora a escorregar para a periferia da ação, mas volta no fim para acolher o cadáver destroçado do homem que gerou e representar a mater dolorosa. É o que se poderia chamar de um tipo...
No fascinante romance-ensaio “O papagaio de Flaubert”, lançado em 1984, o francófilo escritor inglês Julian Barnes dedica um capítulo aos olhos de Emma Bovary. Nele faz, em miniatura, uma grande e já célebre crítica à crítica acadêmica na pessoa de Enid Starkie, renomada biógrafa de Gustave Flaubert e professora de Oxford. “Flaubert não constrói seus personagens, como fazia Balzac, por meio da descrição objetiva de ...
A notícia do jornal inglês “The Guardian” foi publicada na editoria de livros, mas também poderia estar na de economia e negócios ou mesmo na de ciências – para não mencionar, em nota mais cínica, a de fait divers, onde se agrupam histórias soltas e bizarrices em geral. Trata-se da conclusão a que chegou uma pesquisa de consumo realizada na Bélgica com frequentadores de livrarias de rua: a de que o cheiro de chocolate de...
No apêndice de seu ensaio “O romance sob acusação”, o crítico e escritor italiano Walter Siti traz uma interessante coleção de provas documentais – algumas delas famosas – do escândalo moral ou político que trabalhos de ficção provocaram em seu tempo. Gosto especialmente da argumentação de Ernest Pinard em sua sustentação oral no processo de 1857 contra “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert. O advogado nega a ce...
“Escrever é cortar palavras”, disse Carlos Drummond de Andrade, mas talvez não tenha sido ele: parece que, na ânsia de enxugar, alguém acabou cortando o crédito. Importa pouco a autoria do conselho. Com essas ou outras palavras, o elogio da concisão é a lição mais ouvida por aprendizes das letras há mais de cem anos. Quer dizer que antes disso o poder de síntese não valia nada? Claro que valia. Os poetas da antiga Gréci...
Reconheço que o alerta pode afugentar leitores deste texto que mal começa, mas paciência: muitas vezes, ler demais sobre um escritor atrapalha a leitura do próprio escritor. Veja-se o caso do irlandês John Banville, que acaba de vir à Flip a bordo de seu último romance, “Luz antiga” (Biblioteca Azul, tradução de Sergio Flaksman, 336 páginas, R$ 39,90). Quando se sabe que o próprio Banville se considera um raro – talvez ...
A reedição de “Como aprendi o português e outras aventuras” (Casa da Palavra e Fundação Biblioteca Nacional, 264 páginas, R$ 34,00), coletânea de artigos, crônicas e breves ensaios escritos nos anos 1940-50 por Paulo Rónai (1907-1992), é uma excelente notícia. A edição em formato de bolso traz de volta à circulação um livro tão espirituoso quanto comovente. Vamos direto ao ponto: a paixão pelo português salvou a v...
O primeiro aspecto desconcertante de “O retrato de Dorian Gray – edição anotada e sem censura” é o que se poderia chamar de paradoxo do tamanho. Costumamos pensar no verbo censurar como sinônimo de suprimir, cortar – não à toa, é uma tesoura seu símbolo universal. No entanto, a edição da obra-prima de Oscar Wilde organizada pelo pesquisador acadêmico Nicholas Frankel (Biblioteca Azul, tradução de Jorio Dauster, 352 ...
No dia 8 de maio de 2006, um texto chamado “Futebol, literatura e caneladas” – comentário sobre a suposta dívida que, segundo muitos críticos, a literatura brasileira tem com o futebol – inaugurava este blog. Não que eu tivesse inteira consciência, àquela altura, do que significava começar um blog. Essa palavra, blog, ainda era mais empregada para nomear páginas marcadamente pessoais, de umbigo à mostra, e a ideia do To...
O clássico “O emblema vermelho da coragem”, de Stephen Crane (Penguin-Companhia, 2010, tradução deste que vos digita, 216 páginas), romance definitivo sobre a Guerra Civil Americana que o precoce autor (1871-1900) lançou quando tinha apenas 24 anos e nenhuma experiência de batalha, tira pelo menos parte de sua estranha força do contraste entre o vastíssimo cenário épico da guerra e o olhar impressionista por meio do qual o...
Trata-se de uma espécie de “Sobre a arte de jogar pedra nos clássicos – parte 2”: na revista eletrônica Salon.com, o escritor Kyle Minor sai em defesa da contista canadense Alice Munro (foto), que foi esculachada dos pés à cabeça por uma resenha de Christian Lonrentzen na prestigiosa London Review of Books (os dois textos em inglês, acesso gratuito). Alice Munro atingiu um lugar de proeminência literária, e quando um escr...
httpv://www.youtube.com/watch?v=jOEZr3fR2uA “O que você sabe sobre acordar às cinco da manhã para voar para Paris?”, pergunta o pai (Graham Chapman), um velho e rude dramaturgo de sucesso, ao filho (Eric Idle), um jovem e polido mineiro de carvão, no calor do bate-boca que deixa a mãe (Terry Jones) aflita. Sim, alguma coisa está – muito – fora da ordem nessa versão nonsense do imemorial conflito de gerações. Casos de em...